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Na foto, a silhueta de uma pessoa segurando um celular com o nome do grupo
"Livre para Amar" e a imagem de um rapaz e uma moça quase se beijando (Foto: Heitor Oliveira)

É normalmente na adolescência que o ser humano descobre o próprio corpo como fonte de prazer. Os hormônios à flor da pele despertam a sexualidade. A atração sexual e o tesão também se tornam comuns à medida em que se chega na maturidade sexual, em que o homem produz o sêmen e a mulher começa a ovular. E isso não poderia ser diferente para as pessoas com deficiência visual.

O toque é o principal aliado para que os cegos comecem a ter contato com o seu próprio corpo e conhecer as mudanças físicas que acontecem com ele na puberdade. “O tato é um sentido muito poderoso, que é preciso se tocar para entender o que acontece com o corpo. Na fase da puberdade, que antecede a adolescência, é o momento que tudo acontece. Existem transformações no corpo, no psicológico, no convívio social, e com elas vêm os questionamentos”, esclarece a terapeuta sexual Cristiane Arcuri.

A especialista também defende que para o homem é mais fácil realizar a prática da masturbação, por exemplo, porque desde a infância ele tem contato com seu pênis. “As mulheres, por sua vez, possuem o clitóris, órgão que existe única e exclusivamente para dar prazer, mas que não é abordado dessa forma nos livros escolares do Brasil. Os familiares não sabem lidar com o fato da menina mexer toda hora na vagina para se tocar, e muito menos sabem orientá-la sobre o que fazer e aonde fazer”, afirma.

O estudante Ítalo de Aragão, 25 anos, é um desses jovens que não possui vergonha em se masturbar. Cego desde os 7 anos, consequência de uma rubéola que sua mãe teve durante a gravidez, o jovem conta que é preciso criatividade na hora da masturbação. “Quando a gente enxerga já tem que ter a criatividade e imaginar muito, então você triplica isso daí quando você não enxerga. Principalmente, porque na hora do sexo a gente vai muito pelo som, pelo tato”, conta o rapaz.

 

Durante a relação sexual, ele diz que tenta imaginar o que ele e a parceira estão fazendo. Para isso, o estudante vai tocando o corpo da parceira e formando imagens em sua cabeça. E são essas imagens, também, que ele acessa no momento da masturbação para sentir o prazer.

Em busca de um par

Muitas pessoas utilizam sites de relacionamento e redes sociais para conhecer novos amigos e, quem sabe, um novo amor. Essa realidade não é diferente para os deficientes visuais. A inclusão digital chegou também àqueles que não podem enxergar e permitiu que essas pessoas possam criar perfis em diversos aplicativos de paquera, tais como Par Perfeito e Badoo.

Na imagem, Edilamar e Régia estão abraçados e sorrindo. Ele está de camisa vermelha com mangas listradas e ela
com uma blusa de detalhes brancos e pretos (Foto: Heitor Oliveira)

Essa segunda viagem para Salvador já foi definitiva. No dia 29 de julho, Régia chegava a capital baiana para morar com Edilamar. Os dois passaram alguns meses morando na casa da família do rapaz, mas decidiram mudar para o seu próprio canto, onde vivem com Lívia. “Foi um pouco difícil no começo, mas a gente superou”, avalia a cearense.

 

Antes da mudança, porém, Régia contou para os filhos sobre seus planos. A ideia foi bem aceita entre os quatro que “disseram que a minha felicidade era a deles”. O apoio que Régia teve antes da mudança, não impediu que Edilamar ficasse nervoso antes de conhecer os enteados, no final do ano passado. “Eu sou um cara que procura controlar a ansiedade. Mas eu pensei: ‘será que vão me receber bem?’”, revela. Apesar dessa ansiedade, no final, o encontro correu bem. “Todo mundo gostou dele”, complementa Régia.

 

A cearense também passou por essa primeira etapa de desconfiança antes de desenvolver uma relação com a família do marido. “Acho que fui bem aceita, mas no começo eles não confiaram em mim e estavam certos. Já pensou chega uma pessoa de um outro estado em sua casa? Mas eu decidi mostrar o meu caráter e a minha personalidade. Hoje, todos me aceitam”, conclui.

Amor sem fronteira

Régia Monteiro, 41, não imaginava que fosse encontrar o seu amor tão distante. E toda a trajetória de seu relacionamento com Edilamar Sena, 35, começou também no grupo “Livres para amar”. Os dois se conheceram por meio do grupo, passaram a conversar em privado e se interessaram. O maior problema para esse relacionamento era que ela morava em Fortaleza, no Ceará, enquanto ele vivia em Salvador.

Foi em junho que ela veio a Salvador conhecer Edilamar, os dois deram o primeiro beijo e no dia dos namorados decidiram firmar um relacionamento. “Eu fui buscá-la na rodoviária. Ela estava nervosa, mas eu estava tranquilo. Ela não quis ficar lá em casa, então fomos todos para a casa de Jaqueline. Eu queria ter dado o nosso primeiro beijo na rodoviária mesmo, mas aconteceu no ônibus quando estávamos indo para a casa de Jaqueline”, lembra.

Naquela época, Régia ficou apenas uma semana em Salvador, mas foi o suficiente para ter certeza de que queria estar por muito mais tempo ao lado de Edilamar. Então, ela voltou para Fortaleza, mas acabou tomando a decisão de deixar tudo lá e se mudar para Salvador. “Eu vendi todos os meus móveis. O que eu trouxe de Fortaleza de eletrodoméstico foi a TV, o computador e algumas coisas pequenas”, diz Régia. Ela também deixou 4 filhos, de idades entre 25 e 28 anos, e trouxe apenas a menina menor, Lívia Rane, de 14 anos.

Na imagem, Jaqueline está com a blusa azul, óculos escuros
e sorri olhando para o celular (Foto: Heitor Oliveira)

Atualmente solteira, a massoterapeuta conta que frequentava salas de bate-papo antes da criação do grupo. E também não falava sobre sua deficiência visual (ela tem cegueira total no olho direito e cerca de 30% de visão no esquerdo) logo na primeira conversa. E quando chegava o momento de fazer a revelação, nem sempre a pessoa com quem falava recebia bem a informação: “Já senti alguns afastamentos ao saber que eu tinha deficiência visual”, revela.

Mãe de uma adolescente de 12 anos, Jaqueline diz que está em busca de um relacionamento com confiança, respeito e responsabilidades. Recentemente, ela chegou a encontrar alguém que havia conhecido no grupo, mas “não deu certo”.

Na imagem, Regivaldo está sentado, mexendo em seu celular e sorrindo. O jovem é negro, tem cabelos cacheados
na altura do queixo e está usando uma blusa amarela e listrada (Foto: Heitor Oliveira)

Regivaldo Neri, 21, hoje em dia usa apenas o Facebook e o WhatsApp para conversar pelo celular – o programa Nuance Talks garante a acessibilidade, descrevendo os ícones e textos na tela do smartphone –, mas já criou perfil em alguns aplicativos de paquera, como o Papo a Dois, Par Perfeito e até mesmo o Tinder. O estudante ficou cego aos 12 anos, após ser atingido por uma bola no olho e a glaucoma que possuía mesmo sem saber chegar ao nervo óptico.

“O Tinder eu não cheguei a usar muito, porque na última atualização ficou inacessível, incompatível com o leitor de tela do smartphone”, conta o estudante. Como o aplicativo é muito voltado para o lado visual – uma vez que a pessoa diz se quer ou não conhecer a outra pela foto do perfil –, Regivaldo dava “likes” em todos os perfis e durante a conversa é que decidia se queria ou não conhecer melhor a pessoa. “Eu vou mais pelo lado do texto, da conversa. Eu usava mais pela conversa e poder mandar o meu número de WhatsApp. Durante a conversa, se me interessava pela pessoa, passava o meu número, caso contrário eu deixava no vácuo mesmo”, revela.

Porém, quando está conhecendo alguém por meio de um aplicativo de paquera, não é na primeira conversa que ele decide contar que possui deficiência visual. E depois que a revelação é feita, “depende do bom-senso da pessoa se ela vai querer continuar falando comigo ou não”.

E nem sempre a reação é de aceitação. O atleta Marcos Felipe Santos, 19, afirma que já se deparou com diversos tipos de reação quando conta que é cego. “Muitas pessoas bloqueiam, outras continuam a conversa. Tem gente que me xinga, outras aceitam. Mas a maioria não aceita mesmo. É difícil você achar uma pessoa que aceite namorar com um deficiente visual e ela sendo uma vidente”, desabafa.

Atualmente, as suas paqueras no ambiente virtual estão restritas ao Badoo, “porque é o único site acessível”, e a um grupo no WhatsApp chamado “Namoro e Amizade”. Foi nesse grupo que ele conheceu o rapaz com quem atualmente está saindo. “A gente ainda está se conhecendo”, conta, sem entrar em detalhes.

Quando inicia uma conversa de paquera no ambiente virtual, a primeira coisa que Marcos busca é conhecer um pouco a pessoa: saber nome, idade, de onde veio e o que busca no aplicativo. Como ele procura por um relacionamento mais sério, isso o ajuda a saber se a pessoa com quem conversa busca pelas mesmas coisas que ele.

Diferente de Regivaldo, porém, o atleta conta logo na primeira conversa que é cego “para a pessoa ficar ciente e não dizer que estou iludindo ninguém e nem mentindo”. E quando a conversa avança para um encontro pessoal, ele procura marcar em lugares públicos, com o maior número de gente possível, como shoppings, terminais de ônibus que tem grande quantidade de gente ou praças que são comumente cheias. E nada de ir acompanhado para o primeiro encontro.

Livres para amar

Foi com o objetivo de mostrar que o amor pode vencer fronteiras que a massoterapeuta Jaqueline Santos, 32, decidiu criar o grupo de WhatsApp “Livres para amar”. “Surgiu de um grupo de amigos que, conversando sobre relacionamentos, decidimos criar esse grupo para unir casais, permitir que pessoas se conhecessem independente de cidade ou estado”, explica.

Após criar o grupo em 2015, ela convidou alguns amigos para ajudá-la na administração. Com o auxílio da web rádio “A voz da inclusão” e da divulgação boca-boca, o grupo foi crescendo e hoje já tem 57 membros de diferentes estados. E o assunto no grupo é bastante variado, mas principalmente sobre questões de relacionamentos.

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