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Na imagem, três amigos jovens conversam. Eles estão sentados e também usam seus celulares

A arte acima mostra uma professora em frente a um quadro negro, com material para lecionar uma aula de educação sexual com 
acessibilidade. No quadro, ela listou o que é necessário para tornar a aula acessível: material audiodescritivo; material em braile; utilizar
próteses do sistema reprodutor; e demonstrar o uso de métodos contraceptivos em material tátil. 

Ensino na rede estadual não tem método específico

Nas escolas da rede estadual, o método de ensino da sexualidade, assim como o dos demais conteúdos de cada disciplina, é definido de acordo com cada professor. Mas caso precise, o docente pode solicitar apoio profissional da Sala de Recursos Multifuncionais. Segundo a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC), nessas salas os professores podem obter material didático acessível para os estudantes com deficiência visual, como materiais táteis e sonoros, permitindo que todos os alunos tenham acesso equivalente ao ensino do conteúdo lecionado.

A secretaria informou ainda que os docentes, por meio da Coordenação de Educação Especial e em parceria com os Centros de Atendimento Educacional Especializados, participam de cursos e também de visitas técnico-pedagógicas com o objetivo de orientar quanto a práticas inclusivas e acessíveis.

“O curso mais recente aconteceu no último trimestre de 2016, com carga horária de 120 horas, onde foram ofertadas 30 vagas para professores de Santo Antônio de Jesus e região, que puderam aprofundar conhecimentos não só de acessibilidade na área da deficiência visual, mas também de autismo, deficiência intelectual e surdez”, informa Patrícia Silva de Jesus, coordenadora de Educação Especial da SEC. A coordenadora esclarece ainda que dois informativos sobre Educação Especial, em formato acessível, estão previstos para serem lançados ainda no primeiro semestre de 2017.

 

Procurada pelo Amor Avista, a Secretaria Municipal de Educação (SMED) não respondeu sobre os métodos adotados pela pasta para proporcionar a inclusão de alunos com deficiência visual nas escolas do município.

Na imagem, Douglas está em uma biblioteca, lendo uma revista em Braile. Ele está de camisa verde-escura e usando óculos escuros
(Foto: Heitor Oliveira)

A especialista Dalva Ornelas França chama a atenção para a necessidade dos professores em proporcionar material inclusivo para os alunos com deficiência visual, como o uso de próteses dos órgãos sexuais e a disponibilização de material didático em Braille ou o uso de vídeos e filmes com audiodescrição.

Para ela, o ensino da educação sexual inclusiva e defendendo a política de respeito às diferenças pode minimizar os preconceitos em relação à expressão da sexualidade das pessoas com deficiência visual. A especialista explica que realizou pesquisas com pessoas cegas, que expressaram um sentimento de que as pessoas com visão normal as veem como assexuadas. “Entendo que conceber as pessoas cegas como assexuadas significa admitir que estas pessoas são destituídas de sentimentos, de desejos, incapazes de amar e de constituir família, características incompatíveis com a criatura humana e uma forma desumana e preconceituosa de ver as pessoas deficientes”, defende. 

Além das escolas, algumas instituições de Salvador, voltadas ao atendimento da pessoa com deficiência visual, também proporcionam aulas, discussões e palestras sobre o tema sexualidade. No Instituto de Cegos da Bahia, por exemplo, há grupos de jovens em que os participantes debatem o assunto, sob a orientação de psicólogos e terapeutas. Para que o aprendizado aconteça de maneira ampla, a instituição usa material tátil, como próteses de pênis e vagina, maquetes em alto-relevo da parte interna dos órgãos genitais, além de levar camisinha para os encontros, atuando na prevenção de DSTs e da gravidez indesejada.

Já na Associação Baiana de Cegos (ABC), nos Barris, e no Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP), os frequentadores possuem acesso a palestras sobre diversas temáticas, sendo a sexualidade uma delas. O estudante Ítalo de Aragão, por exemplo, chegou a frequentar uma dessas palestras no CAP. Ele conta que tocou em próteses de pênis e de peito. “A palestrante explicou sobre a importância do sexo seguro e os perigos das DSTs e falou sobre essas doenças também. A gente aprendeu também a colocar a camisinha no pênis por meio dessas próteses”, relembra ele.

Na foto, Ítalo está com um óculos escuro e camisa listrada
(Foto: Heitor Oliveira)

A situação foi diferente na casa do jovem Ítalo de Aragão, 25, que é cego total desde os 7 anos de idade. Segundo o rapaz, houve um diálogo com os pais no período da adolescência, sobre sexualidade e também a necessidade da prevenção. “Meus pais são legais, tranquilos, não se envolvem muito [na sexualidade]. Nessa parte eu sou bem livre. Me deram muitos conselhos na época da adolescência. Eles falavam muito na parte de precaução e o aviso de sempre: ‘não traga filho pra minha casa’”, conta.

“Ele é reservado, não fala muito sobre sexualidade com a gente. Mas eu já conversei com ele, já mostrei e li cartilhas explicando os métodos e cuidados sexuais. Tentei passar experiência e preparar ele” diz Ivonete de Aragão, 45, mãe de Ítalo. Ela conta que foi aprendendo aos poucos a deixar o filho mais livre e menos dependente. Frequentador do Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual (CAP), no bairro de Nazaré, hoje o jovem anda tranquilamente pela rua, onde atualmente faz aula de natação e informática.

Para a terapeuta sexual Cristiane Arcuri, a postura adotada por Ivonete é a ideal para os pais, tanto de adolescentes cegos quanto dos videntes (ou pessoas não-cegas). A terapeuta sexual chama a atenção para a importância da boa comunicação dentro de casa entre pais e filhos e da necessidade de se falar de um assunto que ainda hoje é considerado tabu, como é a sexualidade.

“Precisamos orientar nossos jovens que carícias sem consentimento não é correto, que fazer sexo sem camisinha pode gerar doenças como a AIDS e a Sífilis, que estão em epidemia, ou uma gravidez. A família de um deficiente visual tem que entender que esse deficiente visual é uma pessoa normal, com desejos, sonhos e desejos sexuais sim! É importante que essa família tenha consciência que seu filho ou filha podem ser o que eles quiserem, dentro de suas limitações, e que estejam prontos para viver a vida”, opina.

Cego aprende com o toque

Enquanto em casa não teve muita conversa com os pais sobre a sexualidade, o estudante Douglas Ferreira, 30, teve os primeiros contatos com o assunto na escola. Durante uma aula sobre reprodução e métodos contraceptivos, seu professor levou a prótese de um pênis, para explicar as partes do órgão. “Ele levou uma camisinha masculina, explicando como se utiliza e mostrou também a camisinha feminina e uma prótese do órgão sexual feminino, explicando como colocaria a camisinha”, conta o estudante. 

A iniciativa do professor de Douglas é importante para que as pessoas com deficiência visual consigam formar uma imagem em sua cabeça sobre o que são os órgãos sexuais masculino e feminino. Para os estudantes cegos e de visão subnormal, o tato funciona como uma espécie de visão. É por meio desse sentido, principalmente, que eles poderão aprender questões importantes sobre o próprio corpo, como a usar uma camisinha, por exemplo.

Na imagem, três amigos cegos estão sentados em uma mesa, conversando e usando os seus celulares. 
(Foto: Heitor Oliveira)

E esse falar sobre sexualidade precisa começar em casa, ajudando esse adolescente a entender as mudanças que está acontecendo em seu corpo e os novos desejos e anseios trazidos pelo aumento dos hormônios sexuais. O ensino da educação sexual também precisa ser uma realidade nas escolas, ajudando a evitar o aumento de casos de jovens com doenças sexualmente transmissíveis (as DSTs) ou de gravidez na adolescência.

“Acredito que a escola tem papel fundamental na formação da pessoa, e que esta formação deve ser completa. A sexualidade é uma dimensão de ser humano e que se constrói ao longo da história sociocultural de cada um. Como pode a sexualidade ficar fora do espaço construtivo que é a escola? A escola é um espaço de construção, reconstrução e reflexão social. Assim a escola deve sim, refletir e discutir sobre a sexualidade”. Essa é a opinião de Dalva Ornelas França, membro do Núcleo de Estudo da Sexualidade, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e especialista em sexualidade da pessoa com cegueira.

Sexualidade se aprende em casa

É em casa que os adolescentes precisam receber a sua primeira orientação sexual. Essa conversa, que muitas vezes acontece de maneira informal, pode ser de bastante ajuda para quem está confuso com as mudanças que vem acontecendo em seu corpo ou para aqueles que vão ingressar na vida sexual já no início do período da puberdade.

Esse é o caso do atleta Marcos Felipe Santos, 19 anos. Jogador de golbol (esporte para pessoas com deficiência visual, onde o atleta precisa arremessar uma bola sonora com as mãos no gol do adversário), ele conta que perdeu a virgindade ainda aos 10 anos, e não havia tido qualquer aula de educação sexual ou conversa com os pais sobre o assunto antes de sua primeira relação sexual. “Na hora do sexo, eu aprendi sozinho como tinha que usar a camisinha. Meu parceiro também me ajudou nessa hora. E também não tinha visto nada na escola sobre isso ainda”, diz.

Marcos nasceu com glaucoma e, por causa da doença, ele só tem acesso a 10% de sua visão. Em Salvador, o rapaz frequentou o Instituto de Cegos da Bahia (ICB), no bairro da Liberdade, onde teve aulas de escrita cursiva, braile e orientação e mobilidade, para aprender a se locomover pela cidade. Foi lá também que aprendeu a jogar golbol – e por causa do esporte se mudou para São Paulo em outubro do ano passado.

Ele conta ainda que não conversou com os pais sobre sexualidade e sobre as mudanças que ocorriam em seu próprio corpo por vergonha. “Meus pais nunca foram abertos comigo. Eu fui criado por minha avó, mas sempre tive contato com meus pais”, revela o atleta.

A adolescência é, em geral, uma época de mudanças e descobrimentos para o ser humano. É nesse período que acontecem grandes mudanças, tanto físicas quanto psicológicas. E um assunto que ganha importância na vida de grande parte dessas pessoas é a afetividade e a sexualidade.

Entender as mudanças que o corpo sofre já no início da puberdade não é fácil. Nos meninos, o pênis cresce de tamanho, a voz começa, aos poucos, a ficar mais grave, e nasce pelos em partes do corpo onde antes não tinham. Já as meninas precisam entender o que significa o aumento dos seios e a menstruação que vai descer todo mês. Elas também vão se deparar com novos pelos pelo corpo.

Para além das mudanças físicas que chegam ao ser humano no período da puberdade, essa fase da vida também traz consigo o despertar da sexualidade. A terapeuta sexual Cristiane Arcuri, especialista em sexualidade humana e criadora da empresa e blog Coisas de Menina Sensual, define a sexualidade como uma questão ligada diretamente à cultura, religiosidade e costumes de uma sociedade. “O que a sociedade precisa entender é que falar sobre sexualidade é algo que deve ser realmente falado e tratado da forma mais simples possível, orientando e mostrando que o prazer é algo muito bom e normal para todos os seres humanos”, define ela.

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